Mônica Waldvogel é uma jornalista privilegiada por ter espaço na televisão para expor suas opiniões, seja em um programa jornalístico, no Entre Aspas, seja em um programa de entretenimento, no Saia Justa. Mas, nos dois casos, ela adora provocar discussões
Por Leonardo Millen
Mônica Waldvogel é uma das jornalistas e apresentadoras da TV brasileira com maior prestígio e credibilidade. Ela começou na extinta TV Manchete, em 1983, mas construiu sua reputação na Rede Globo, na virada dos anos 80 e começo dos 90, quando os jornalistas especializados em política e economia, como ela, cobriram sucessivamente a histórica elaboração da Constituição brasileira, as primeiras eleições presidenciais com voto direto depois de 1960, impeachment e os mirabolantes planos econômicos. Na Globo, onde ficou até 2001, apresentou Jornal da Globo,Bom Dia São Paulo e o Jornal Hoje. Em seguida, foi para a TV Record apresentar o Fala Brasil. Em 2004, foi para o SBT para fazer o programa de entrevistas Dois a Um. Em 2003, voltou à Globo para integrar o time de âncoras doJornal das Dez, no canal Globonews. Atualmente, Mônica é apresentadora de dois programas: o Saia Justa, no GNT, e o Entre Aspas, na Globonews. Ela recebeu Go’Where em seu agradável apartamento em Higienópolis. Fora das câmeras, Monica passa a imagem de uma pessoa preocupada com os caminhos do mundo moderno e com as questões que afligem o ser humano. Uma provocadora de reflexões e discussões. No bom sentido…
Um programa de entrevistas, outro de variedades, exigem posturas distintas. Qual é sua praia?
O jornalista é uma pessoa que vai passando por terrenos que lhe interessam. A gente não se lança a um assunto verticalmente. Minha praia sempre foi a reportagem. Fiz de tudo, de cultura a rebelião em presídio. É lógico que, em Brasília, eu cobria economia e política. Ainda assim, lidando com o Congresso, eu acompanhava muitos assuntos. E ia deslizando até chegar ao tema.
Como entrevistadora, você conheceu muitos expoentes da ‘inteligência’ brasileira. É um privilégio?
Conheci muitos especialistas. O jornalismo nada mais é do que isso: entrevistar quem realmente tem a dizer sobre determinado assunto ou o protagonista do fato. No Entre Aspas, nossa reportagem é o entrevistado. E achar o cara certo, que tenha disponibilidade de vir ao programa naquele dia. É complicado e, por isso, desafiador. Mas você tem razão. É um privilégio poder questionar e interagir com quem tem algo a dizer. Você aprende. Vai montando o seu próprio repertório.
Você tem um papel de ‘maestro’ da entrevista. Isso influencia o rumo dos comentários?
Nem tanto. Meu papel é mais de facilitadora do debate. A minha opinião transparece, o que é inevitável num programa que é uma conversa. Mas ela existe também para ser quebrada. Tem sempre alguém que sabe mais que a gente. Sempre. Sou aberta suficiente para aprender e acusar o golpe quando tenho minhas certezas postas em xeque.
O Saia Justa, que é um programa de variedades, é mais relax…
Lá eu me exponho mais, apresento as minhas ideias. Eu tenho esse espaço. Mas também lá me vejo como uma facilitadora da conversa.
Parece que vocês encontraram uma fórmula para mesclar uma pessoa mais ‘cabeça’, com uma ‘descompromissada’, ou mais ‘descolada’…
Compor o elenco do Saia Justa não é fácil. É um trabalho conjunto meu com a produção. Eu não sou obrigada a aceitar ninguém por força da direção. Todo mundo sabe que para entrar no programa precisa ter duas ou três habilidades como essas… Elas se ‘repetem’ mesmo. Mas quando a pessoa chega, a gente pensa que ela é uma coisa e às vezes ela no surpreende. Fazemos experiências- piloto, com os novos participantes, para ver se eles se sentem bem naquele grupo, se navegam bem entre vários assuntos… É bastante duro sustentar 52 programa por ano. Quatro diferentes temas por bloco. Tem que ser uma pessoa ligada.
Você também tem de lidar o tempo inteiro com egos inflados. Esse lado B do programa é ainda mais fascinante?
Essa é a proposta do programa. As opiniões precisam entrar em confronto. Não é um seminário. É um programa de entretenimento, com opinião. É claro que quanto mais os ‘eu acho’ são embasados, diferentes, originais, mais ‘saia justa’ eles são.
Você se sente mais feliz fazendo o Entre Aspas ou o Saia Justa?
É difícil dizer. Fiquei um período curto fazendo só o Saia Justa e senti falta de lidar com a matéria jornalística. Sinto necessidade de me conectar com os fatos e de lidar com eles. Por outro lado, a experiência no Saia Justa foi fundamental para que eu rompesse a barreira da jornalista aparentemente neutra e colocar para fora minhas opiniões e experiências que colecionei ao longo dos tempos. Isso me ajudou no jornalismo também: me deu um jogo de cintura que eu não tinha antes. Fiquei mais à vontade nas entrevistas, mais segura a respeito do que eu sei e posso fazer. Hoje não sei mais qual é a Mônica do jornalismo e a Mônica do Saia Justa. No começo no Saia Justa eu era muito presa, cuidadosa, com medo de que, dependendo do tema que era discutido, isso iria comprometer o meu relacionamento com os entrevistados ‘jornalísticos’. Depois eu vi que isso não acontecia de maneira nenhuma. As pessoas continuavam a me dar entrevistas normalmente.
Depois de tantos anos de jornalismo, você já virou uma grife em termos de credibilidade?
Comecei em 1983. Estou há muito tempo fazendo jornalismo. O tempo em Brasília também foi muito rico porque peguei um período extraordinário. Cheguei lá em 1987, na Constituinte. A primeira eleição direta para presidente. Viajei com candidatos e presidentes pelo Brasil todo, para o exterior… Acompanhei o impeachment, os planos econômicos, a estabilização do Real… Foi uma experiência muito rica.
Que conclusões você tira como espectadora privilegiada desse período tão rico de nossa história?
São várias. Para a minha experiência jornalística, a principal é que a gente precisa constantemente rever conceitos. Você vê um político discursando, defendo ideias, passa a respeitá-lo, mas ao vê-lo em ação você fica muito desapontado. E o contrário também. Você acha que aquele político é ‘do mal’, da direita… Lá, nota que é uma pessoa que age corretamente, que também tem idéias positivas para o País. Ou seja: você muda sua visão maniqueísta. Esquerda é do bem e direita é do mal. Na verdade, pessoas são do bem ou do mal. Partidos também, dependendo do tema discutido. Outra grande conclusão: quem vem de São Paulo tende a achar que sabe tudo… E em Brasília o País vira um caleidoscópio. Você se reposiciona, enxerga sua região e seu meio cultural com outros olhos. É absurda a quantidade de preconceitos que temos em relação a coisas que a gente não conhece. É preciso abrir a cabeça. Isso é muito rico para mim, como jornalista. Como pessoa, também – para que eu não tenha ideias vã.
Isso não é “puxar a brasa para a sua sardinha”?
Mas isso sempre tem! E é legítimo! A Câmara é uma casa de representante de grupos. A bancada ruralista, o ‘centrão’, os evangélicos, os professores, os sindicalistas, os comunistas, o MST, as mulheres… É isso que se espera do Congresso. Que ele seja uma casa que representa os diversos grupos da sociedade.
Aquela coisa nababesca do Congresso, com milhares de assessores sem função nenhuma… Isso mexe com você?
Claro! Eu me incomodo muito com isso. Mas quando cheguei a Brasília, era um momento especial, quando todas as inteligências e partidos políticos estavam reunidos para formatar a nova Constituição. Era um Congresso como nunca mais houve. Havia boas lideranças no centro, na direita, na esquerda, negociando, tentando conciliar posições e fazer o melhor.
Hoje ainda é assim?
Não. As regras foram pervertidas de tal forma que viraram uma grande lambança. Um exemplo é nosso sistema eleitoral. O coeficiente eleitoral – algo pensado para tentar garantir a representatividade – foi totalmente deturpado. Um partido contrata uma ‘estrela’ que puxa eleitor e leva para o Congresso gente que teve 500 votos. A responsabilidade é da regra? É do eleitor? Não. É desse partido, que usa a regra para se beneficiar. Que um partido tenha um Paulo Maluf, um José Dirceu, que são políticos e estão representando um ideal partidário, tudo bem. Agora, contratar ‘estrelas’ completamente fora do meio político, sem nenhum compromisso com a política, para puxar votos e carregar uma porção de gente para o Congresso, isso é deturpação. Essa estrela só quer saber de tirar o dele. A representatividade está em crise. E esses mesmos partidos querem fazer a reforma política. Daí você se pergunta: e agora? Se eles fizerem uma nova regra vai ser pior ainda. Dá até medo…
O jornalismo político discute isso ou se restringe ao dia a dia do Congresso?
Acho que ele faz as duas coisas. Mas se as pessoas não se interessam, não fazem a ligação entre os esquemas pervertidos na política e sua vida, como cidadãos, elas vão ter que esperar que alguém, um dia, faça uma ‘primavera’ no Planalto Central e diga “Chega!” O desgaste desse esquema baseado na troca de favores, na troca de votos, não pode durar para sempre. A gente trai a vocação do Brasil, que é de ser um país pujante e importante no cenário mundial. Vai haver um momento em que as pessoas vão dizer: agora parou!
Não vejo os mais jovens interessados na política.
E quem pode se interessar por uma coisa tão rasa como a negociação e o debate político atual no Brasil? As ideias, que importam, não estão em debate. Eles contrabandeiam falsas opiniões. O Código Florestal, por exemplo, que era uma grande questão nacional, foi discutido de uma forma tão dispersa, com ataques tão baixos, que você acaba achando que ninguém tem razão. Quando você faz um código que manda preservar tantos por cento da mata nativa da fazenda, isso vale tanto para o ‘filho da mãe’ que tem umas terras virgens nos confins de Rondônia quanto para o plantador de maçã de Santa Catarina que está há 100 anos na atividade. É justo ele derrubar as macieiras dele para reflorestar suas terras ou a lei deve permitir que ele continue na atividade? Essa mistificação toda é que fez com que coisas extremamente importantes deixassem de ser discutidas. O plantador de maçã tem todo direito de opinar sobre o Código Florestal que o afeta quanto o ecologista, que quer preservar a floresta intocada porque nossa vocação é ser dono de floresta, não plantador de alimentos. São duas visões de País. Qualquer debate no Brasil é estridente, antiquado, as posições são distantes e a conciliação é sempre por sacanagem, por roubo, por compra. A descrença na política é tão grande que, seja o ambientalista, o plantador de maçã ou o desmatador, ninguém acredita que o Congresso esteja fazendo o novo Código para o bem. Esse é o malefício de você perder completamente a confiança no Poder Legislativo.
Qual seria o papel da imprensa nesse caso?
De esclarecimento e de provocar o debate de alto nível. Mas aconteceu uma coisa interessante no meu programa sobre o novo Código. Os entrevistados não sustentam diante dos outros aquilo que advogam. Diante da ONG dele ou do seu público, ele é radical e defende um ponto de vista muitas vezes contrário ao que ele concordou no programa.
Você tem liberdade para escolher as pautas e as pessoas que você vai entrevistar?
Total. Nunca me impuseram um tema, uma opinião ou um entrevistado. Na Globonews, hoje, eu tenho a prerrogativa da experiência. Há três anos que estou lá. É um programa ao vivo e o que falar está falado. E a pauta é sempre o assunto do momento. No dia em que morreu o Kadafi, a pauta foi a morte do Kadafi e suas implicações. No dia em que divulgaram que mamografia não ajudava as mulheres, eu fiz um programa: “Mamografia – vale ou não vale?”
Que papel têm as redes sociais na pauta?
As pessoas acompanham, criticam, mandam opiniões… Mas não me preocupo muito com isso. Ou não faço o programa! Hoje tem muita patrulha. Um pessoal articulado. Não posso me deixar influenciar pela acusação de fulano de tal, que assina X314, apelido que ele usa para se esconder por meio de um avatar falso do twitter. Mas os jornalistas mais novos ficam impressionados com isso. E começam a achar que estão equivocados, que precisam agradar todo mundo. Isso é impossível.
A TV era onipotente, sem a competição dos canais a cabo e da internet. Mudou o jeito de se fazer jornalismo na TV?
Não mudou muito e isso é tema para ser discutido. A internet sacudiu muito o mercado. As pessoas ficaram meio desconcertadas em como lidar com a força dessa mídia. O adolescente de hoje aprendeu a usar a internet para conseguir tudo o que quer, inclusive notícias. A TV precisa prestar atenção nisso. A minha modesta tese é que a TV deveria radicalizar ainda mais no seu formato. É a única maneira de ela ficar melhor do que é. Deveria ser mais jornalística, mais entretenimento… Se você compete com a velocidade da internet, você perde.
A elite brasileira acompanha essas mudanças?
Acho esse termo muito genérico. É como falar a mulher brasileira… Existe a elite canalha, a elite predadora, mas também tem a elite empreendedora, multiplicadora, responsável. Existe também um grupo grande que subiu recentemente da classe B para a classe A, os digamos “novos ricos”, que também viraram uma subdivisão da categoria elite. Somos um País de grande mobilidade social. É a força do Brasil. Na Inglaterra, um cara que nasceu na classe média dificilmente chegará à elite. A gente tem muito da mentalidade americana do empreendedorismo, de sair do zero ao topo. Com a vantagem de sermos abertos para os estrangeiros, para o novo. Mas ela não é tão permeável. O cara que ficou riquíssimo com uma rede de motéis não frequenta a casa do Antonio Erminio de Moraes! As elites se protegem dentro dos seus muros.
Como você vê a economia no Brasil hoje? Blindada contra a crise?
Depois que a gente passou pela moratória, pelos planos econômicos, pelos sacrifícios dos ajustes do câmbio, o Brasil pagou a sua conta. E pagamos caro pra caramba! Pagamos com anos de desemprego, reformas duríssimas, por não termos feito a coisa certa. A gente emitia dinheiro para cobrir buracos. Produzia inflação e penalizava os mais pobres. A organização desse sistema nos custou 20 anos! O Collor, que abriu as importações, e o plano Real foram fundamentais para quebrar tudo isso. Sem o Plano Real a gente não ia a lugar nenhum! Tínhamos bancos estaduais que desrespeitavam todas as regras. Emitiam títulos e quebravam porque não tinham como honrar esses papéis. O Plano Real reorganizou tudo isso. Hoje, temos um sistema bancário sólido. O mercado interno não para de crescer e o País começou a atrair mais investimentos. Empresas do mundo todo estão vindo produzir aqui e vender para os brasileiros.
O que falta para a gente deslanchar de vez?
Infraestrutura. Estradas, aeroportos, portos, alfândegas, um serviço público muito ruim. E, o que para mim é fundamental: uma melhora na educação. Nesse cenário, tudo o que depende do governo é lento.
E como você vê o País no cenário internacional?
Nós somos o melhor dos BRICS. A China é uma coisa tão à parte… Agora, comparando com a Índia, a Rússia, a África do Sul… estamos melhores. Mas é um momento crucial porque o Brasil precisa fazer as escolhas certas. Combater com vigor a corrupção porque, caso contrário, não vai dar certo. As pessoas precisam relacionar o imposto que pagam com os serviços que recebem. A carga tributária aqui é absurda!
O Brasil tem jeito?
É lógico que tem! Desde que começou o processo de redemocratização o Brasil tem melhorado, mesmo aos trancos e barrancos. O trabalhador consegue um salário decente, colocar os filhos na escola, contratar uma babá, comprar sua casa própria, seu carrinho… As pessoas de classe social inferior também. Elas já vivem melhor e têm coisas que nem imaginavam ter, eletrodomésticos bacanas, se sentem mais confiantes. Ainda não é para todos, mas o Brasil já está acontecendo.
Leia essa e outras matérias na Go’Where Rio n° 10.